26 fevereiro 2010

António Sena


CONVITE

Vai realizar-se no próximo dia 4 de Março (quinta-feira), pelas 18h, no Auditório 1, Piso 1, Torre B, mais uma sessão do «Ciclo de Encontro com Artistas na FCSH». Nesta edição contamos com a presença do pintor António Sena e o encenador Jorge Silva Melo, autor do filme documentário sobre o pintor: A Mão Esquiva. O IHA- Instituto de História de Arte /Estudos de Arte Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa convida-o (a) a estar presente na sessão, a assistir à apresentação do filme e à conversa debate.





01 novembro 2009

Fernando Lemos



Sobre Fernando Lemos

Fernando Lemos (1926) nasceu em Lisboa e vive desde os anos 50 em S. Paulo, Brasil. Situado no universo plástico do Surrealismo, Fernando Lemos frequentou a Escola de Artes Decorativas António Arroio e o curso livre da Sociedade Nacional de Belas Artes. 

A sua obra circula por vários artes que se estendem em várias vertentes e que abrangem não só a pintura, mas também o desenho, a ilustração, as artes gráficas, a publicidade, a fotografia, campo que alcançou uma notória visibilidade pública desde que expôs na Casa Jalco com Vespeira e Fernando de Azevedo, em 1952.

No ano seguinte abandona a fotografia e parte para o Brasil, tendo aí prosseguido a sua actividade artística, nomeadamente no campo do design gráfico, do desenho e da pintura, realizando várias exposições individuais e participando em várias colectivas.

Morando em São Paulo desde 1954, Lemos foi testemunha e participou da revolução na arte contemporânea brasileira durante a segunda metade do século 20: dos modernistas ao concretismo, chegando aos dias de hoje. Participou de Bienais e obteve o prémio Melhor Desenhista na V Bienal de São Paulo e Sala Especial de Pintura na VI Bienal.

Na obra multifacetada de Fernando Lemos, o artista-poeta, circula em diversos territórios da arte ao longo do seu percurso.


Breve cronologia artística

1926 – Nasce Fernando Lemos, a 3 Maio na Rua do Sol ao Rato, em Lisboa
- Frequenta a Escola António Arroio e o curso livre da SNBA
- Finais anos 40 começa a utilizar o laboratório fotográfico de Mário de Almeida Camilo, que trabalha na secção fotográfica do magazine Grandes Armazéns do Chiado.
1947 – Participa na II Exposição Geral de Artes Plásticas da SNBA com cartazes publicitários, em Lisboa
1949 – I Exposição Surrealista (sem Fernando Lemos), em Lisboa. Encerrada a Exposição, os expositores dispersam-se e Vespeira e Fernando Azevedo eram em 1952 os únicos pintores surrealistas que prosseguem regularmente a sua obra.
- Realiza as suas primeiras fotografias com a sua Flexaret
1951 – Viagem de estudo a Espanha e França
1952 – Participação na exposição Azevedo, Lemos e Vespeira na Casa Jalco (com Vespeira e Fernando Azevedo). Mostra 125 trabalhos (20 óleos, 22 guaches, 28 desenhos, 55 fotografias), uma casa de móveis e decorações de luxo, no Chiado. O público reagiu com desagrado e polémica e só a Seara Nova valorizou o projecto. Esta Exposição foi a última aventura perturbante possível dentro de um modernismo que levava definitivamente o Surrealismo para o caminho da não figuração expressionista e lírica.
- Publica Teclado Universal, série 14 poemas saído no último volume da segunda série dos Cadernos de Poesia (Jorge de Sena, director)
1953 – Exposição Fotografias de Várias Coisas, na Galeria de Março, em Lisboa
- Partida para o Brasil, onde fixa residência
- Exposição no Museu Arte Moderna S. Paulo uma selecção de fotografias produzidas entre 1049 e 1952
- Participa na secção de Desenho da II Bienal de S. Paulo
1954 – Realiza a sua primeira exposição de Desenhos na Galeria de Março, em Lisboa
- Colabora na exposição comemorativa do IV Centenário da fundação da cidade de S. Paulo, com um painel decorativo alusivo ao seu crescimento
1955 – Integra a secção de Desenho da III Bienal de S. Paulo
1956 – Exposição individual de Desenho
- Início da colaboração no periódico Portugal Democrático (1956 – 1975), série Rato (Salazar)
1957 – Obtém o Prémio Melhor Desenhista Nacional na IV Bienal de S. Paulo
- Integra a planificação do stand do Brasil na U.S. World Trade Fair, em Nova Iorque
- Integra a representação brasileira na mostra The Fourth International Exhibition, no Japão
1958 – Exposição de Desenho no Museu Arte Moderna, em S. Paulo
1959 – Integra a mostra Desenhistas Contemporâneos da América Latina, em Washington e Artistas do Acervo do Museu de Arte Moderna de S. Paulo, no Paraguai.
- Responsável pela montagem da V Bienal de S. Paulo
1960 – Integra 12 Artistas Brasileiros em Israel, Cuba e Colômbia
1961 – Integra a I Bienal Internacional de Desenho Industrial em S. Paulo
1962 – Participa na secção de Desenho da II Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa
- Mostra Desenho na Galeria de Arte São Luís, em S. Paulo
1963 – Integra a II Bienal Internacional de Desenho Industrial em S. Paulo e ganha o prémio de “melhor capa de livro” e “melhor apresentação gráfica”, em S. Paulo
- Integra a planificação do stand do Brasil na V Feira Internacional de Tóquio
- Realiza dois vitrais para o Palácio Internacional de Congressos em Hakone, no Japão
- Com um grupo de intelectuais funda a editora Giroflé, vocacionada para livros infantis 
1965 - Participa com uma sala especial de pintura na VIII Bienal de S. Paulo 
- Integra a Brasilian Art Today em Londres e Viena
- Colabora na criação da Associação Brasileira de Desenho Industrial
- Teclado Universal é editado em livro, acrescido de outros 48 poemas
- Exposição retrospectiva no Grémio dos Alunos da Faculdade de Arquitectura e Urbanismo da Universidade de S. Paulo
1967 – Prémio Itamarati de aquisição
 - Exposição de pintura na Galeria S. Luís, em S. Paulo
1968 – Participa numa exposição colectiva de fotografia com George Torok e Jorge Bodansky, na Galeria Astreia, em S. Paulo
1969 – Expõe Galeria Bonino, no Rio de Janeiro
- Primeira experiência no cinema como director de fotografia do filme Compasso de espera, de Antunes Filho
1973 – Integra a Exposição Inaugural da Galeria Quadrum, em Lisboa 
- Exposição de pintura na Galeria Dinastia, em Lisboa
1977 – Integra a Exposição A Fotografia na Arte Moderna Portuguesa, no Centro de Arte Contemporânea, no Porto
1982 - Exposição Refotos dos Anos 40, na Sociedade Nacional de Belas-Artes, em Lisboa
1983 – Participa na exposição colectiva O Surrealismo Português na galeria UQAM, em Montreal
1986 – Reeditado Teclado Universal com o título Cá & Lá e com prefácio de Jorge de Sena
1992 – Exposição Fernando Lemos, no Centro Cultural Português da Fundação Calouste Gulbenkian, iniciativa que integrou o programa Mois de la Photo, em Paris
1994 – Exposição retrospectiva À Sombra da Luz, no Centro Arte Moderna Da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa
- Participa na exposição O rosto da máscara, no CCB, em Lisboa
1995 – Exposição À Sombra da Luz, na Universidade de Salamanca
1996 – Exposição À Sombra da Luz, em Aix-en-Provence
1998 – Exposição Photographies, na galeria Chateau D´Eau, em Toulouse
- Exposição Fernando Lemos: Fotografien, na Handelskammer, em Hamburgo
1999 – Exposição de pintura na galeria 111, em Lisboa e no Porto
2000 – Exposição de pintura na galeria Múltipla de Arte, em S. Paulo
- Publica o álbum de fotografias Retratos de Quem? no Instituto Camões, em Lisboa
2001 – Prémio Nacional de Fotografia, atribuído pelo Centro Português de Fotografia
2004 – Exposição À Sombra da Luz – À Luz da Sombra, na Pinacoteca do Estado de S. Paulo
2009 – O Surrealismo na Fundação Cupertino de Miranda, Famalicão


Bibliografia

Cá & Lá, Poesia, Fernando Lemos, Imprensa Nacional, Lisboa, 1985 
Fernando Lemos, Margarida Acciaiuoli, Editorial Caminho, Lisboa, 2006 
Fernando Lemos: à sombra da luz, à luz da sombrafotografias 1949 – 1952, Pinacoteca do Estado, S. Paulo, 2004 
Fernando Lemos e o Surrealismo, Museu Arte Moderna Sintra, Colecção Berardo, Lisboa, 2006 
A missão Portuguesa, Rotas Entrecruzadas, Fernando Lemos, Rui Moreira Leite, Unesp, Brasil, 2000
Na casca do ovo, o principio do desenho industrial, Fernando Lemos, Edições Rosari, S. Paulo, 2003
Retratos de quem? Fernando Lemos, Portugal, anos 50, Instituto Camões, S. Paulo, 2000
Teclado Universal, Cadernos de Poesia, Fernando Lemos, Lisboa, 1952


Fernando Lemos nos "Encontros com artistas na FCSH-UNL"

Artista e poeta, Fernando Lemos Atrás da Imagem, apresentou-se como um encontro onde foi dado a oportunidade de entrar no universo do artista e daí se deixar perder. No dia 17 Novembro às 18 horas no Auditório 1 da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Fernando Lemos brindou o público durante duas horas, com o seu humor, a sua tenacidade e a sua criatividade artística.

A sessão iniciou-se com umas breves palavras do artista sobre o documentário “Fernando Lemos atrás da imagem”, explicando a forma como o realizador o conheceu, depois de ver umas fotografias suas dos anos 50. Fernando Lemos deambulou ainda um pouco sobre a ditadura, a democracia e a razão da sua partida para o Brasil.

Deu-se então início à projecção do filme, O filme "Fernando Lemos, Atrás da Imagem" do realizador brasileiro Guilherme Coelho (2006), filme esse que resulta de uma exploração de sua história pessoal e política, suas influências, sua visão artística e seu incrível acervo de obras. Pela película passaram os retratos dos seus amigos dos anos 50, a voz de Alfredo Marceneiro, o seu atelier e algumas das suas obras mais emblemáticas, num documentário que foi selecção oficial do Festival do Rio (2007) e da Mostra de S. Paulo (2007).

Quando as luzes do auditório se acenderam, foi tempo do artista falar sobre a arte, a cultura, a democracia, o papel do artista, a liberdade e o medo.
No final da sessão seguiu-se um período onde o público fez perguntas a Fernando Lemos, nomeadamente sobre o seu encontro com Man Ray e com quais das produções o artista se identifica mais. O Encontro acabou com o artista a falar da importância do desenho, da fotografia, findo o qual, agradeceu de viva voz a presença de todos, brindando-nos com a sua simpatia, humor e tenacidade que já nos habituou a todos.

Maria João Castro


"Fernando Lemos, Atrás da Imagem" - Ficha técnica:
Direcção: Guilherme Coelho
Produção Executiva: António Dias Leite, Mauricio Andrade Ramos, Guilherme Coelho
Roteiro: Márcia Watzl
Montagem: Márcia Watzl
Fotografia: Alberto Bellezia
Som directo: Leandro Lima
Música Original: Cristina Braga, Ricardo Medeiros
Produção: Nathaniel Leclery, Mariana Ferraz, Fernanda Marques




Filme de Pedro Aguilar e Bruno de Almeida, da exposição no Sintra Museu de Arte Moderna:



12 outubro 2009

Alberto Carneiro




Sobre Alberto Carneiro

Caracterizando-se por uma aproximação à paisagem e à natureza e por um relacionamento com o material escultórico de carácter ontológico e de identificação/identidade do seu próprio corpo com as matérias naturais, a obra de Alberto Carneiro definiu-se, desde cedo, numa grande estabilidade de valores simultaneamente poéticos e conceptuais. À pedra e à madeira, sempre trabalhadas a partir do seu ser "árvore" e "montanha", acrescentam-se o ferro, o bronze, o barro, o vidro, o espelho, a fotografia, o desenho e elementos naturais. Técnicas tradicionalmente escultóricas abrem-se a outras linguagens e ao talhe manual e mecânico dos materiais acrescentam-se processos como a agregação e organização de matérias naturais, a escrita caligráfica ou incisa, o desenho, gravações sonoras ou impressões olfactivas. Ao longo dos anos, o escultor tem efectuado uma permanente reflexão escrita sobre o seu próprio trabalho e sobre o acto de criação, num vasto conjunto de "aforismos" e de "notas para um diário" presentes nos seus catálogos de exposição e livros de artista, bem como na imprensa.

Alberto Carneiro nasceu em São Mamede do Coronado, em 1937. Após ter trabalhado como imaginário nas oficinas de santeiro da sua terra natal, entre 1948-58, ingressa, algo tardiamente, na Escola Superior de Belas Artes do Porto, onde se forma em Escultura em 1967. Aqui realiza a sua primeira exposição individual (Homenagem ao autor da Vénus de Willendorf, 1967), apresentando um conjunto expressivo e vitalista de esculturas em madeira, pedra e gesso patinado, e desenhos. Após ganhar o Prémio Nacional de Escultura, no Verão de 1968, parte para Londres, em Setembro, a fim de realizar o Advanced Course in Sculpture da Saint Martin's School of Art, que completa em 1970.

Estes são anos de mutações profundas ao nível da abordagem à escultura por parte de Alberto Carneiro, que questiona o seu próprio virtuosismo técnico, adquirido nas oficinas de santeiro, o recusa o modelo estatuário vinculado ao ensino oficial português. As pesquisas do escultor assentam numa série de leituras teóricas (dos quais o artista tem destacado a importância de Gaston Bachelard, mas a que devemos acrescentar o interesse pela linguística estruturalista e pelos fenómenos associados à visualidade, bem como o pensamento oriental e a psicologia profunda) e no experimentalismo programático fomentado pela escola londrina. Abandona o talhe directo a favor da manipulação de matérias tais como árvores, canas, pedras, flores, água, etc., que se apresentam agora na sua realidade natural e simbolizam-se nos elementos essenciais (terra, água, fogo, ar). Ao mesmo tempo, um conjunto de novos materiais são introduzidos no seu trabalho, tais como o acrílico, cordas e fotografias e preto e branco.

Na sua primeira exposição individual após o regresso ao Porto, em 1970 (Galeria Alvarez, 1971), Alberto Carneiro apresenta O caderno preto (1968-71), Os quatro elementos - segunda homenagem a Gaston Bachelard (1968-70) e Uma linha para os teus sentimentos estéticos (1970-71). Partindo de uma proposta de contornos ontológicos, onde a obra de arte possa referir-se e justificar-se enquanto processo de abertura comunicativa e relacional com o outro e com a realidade, os trabalhos aqui apresentados assumem os princípios fenomenológicos de um ser envolvido na e pela concretude das coisas. No centro desta problemática está uma nova consciência das qualidades sensitivas dos espaços e das matérias despoletada por um trabalho da memória e da rememoração, o que, no caso concreto do escultor, reenvia para a vivência rural e para o universo paisagístico em que viveu até aos 21 anos, na sua terra natal. A partir daqui, as instalações escultóricas de Alberto Carneiro procuram, sistematicamente, esvaziar os potenciais significados da obra de arte e proceder à abertura de um espaço significante no seu interior, como movimento de interpelação à experiência directa e não mediada do espectador. Radica-se aqui, com efeito, o sentido último das suas "Notas para um manifesto de uma arte ecológica" (1968-72), publicadas na Revista de Artes Plásticas em 1973.

Ao longo dos anos 70, várias obras desenvolvem estas premissas, como O Canavial: memória-metamorfose de um corpo ausente (1968), As três extensões da natureza (1968-69), a Operação estética em Vilar do Paraíso (1973), Trajecto dum corpo (1976-77), Arte corpo/corpo arte (1976-78), A floresta  e O ribeiro (ambas de 1978) e Corpo rio (1981): uma série de dispositivos realçam a ideia de representação imagética contida na realidade percepcionada, através de mediações como a transferência (entre um dentro e um fora), a equivalência ou a semelhança (entre a árvore e o homem, entre a água e a imagem), a inversão (os reflexos e a fotografia), o intervalo (o sonho e a introdução do aparente na realidade), ou a repetição (a rememoração da matéria natural).

A realidade como espelho imagético, de duplicação objectiva, vai também, à medida que a década avança, adquirindo importância nas obras em que Alberto Carneiro surge fotografado nos ambientes naturais em que desenvolve acções de carácter performativo onde manipula e marca elementos naturais - areia, feixe de vimes, rocha - e realiza operações em que a vertente estética das actividades campesinas se sobrepõe ao seu carácter utilitário (noção por si consolidada num estudo efectuado em 1976 e subsidiado pela Fundação Calouste Gulbenkian). No regresso ao ateliê, essas imagens são trabalhadas a partir de especificidades intrínsecas ao medium fotográfico (a inversão do processo de revelação da película no papel, a duplicidade, o reflexo, a montagem, a sequência, a repetição) e organizadas em instalações posteriormente apresentadas nos espaços expositivos.

O seu trabalho adquire, também, visibilidade institucional. Logo em 1971, é Prémio da Crítica Soquil - Menção Honrosa, com a obra Uma floresta para os teus sonhos (1970). É um dos expositores regulares da Galeria Quadrum, onde mostra pela primeira vez várias das suas obras deste período. Em 1976 realiza a sua primeira exposição antológica, no Centro de Arte Contemporânea do Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto e, no ano seguinte, participa na Alternativa Zero (Galeria Nacional de Arte Moderna, Belém). Ainda em 1976 e 1977, integra a representação oficial das Bienais de Veneza e de São Paulo, no seguimento das quais realiza longas viagens por Itália e pelo Brasil. Num percurso confluente com a actividade artística, dedica-se também ao ensino, integrando o corpo docente da ESBAP em 1971, onde é professor do Curso de Escultura (até 1975) e do Curso de Arquitectura (até 199, já na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto), aqui sendo o responsável pela cadeira de Desenho da Arquitectura. Entre 1971-85, lecciona e faz parte da equipa que coordena a orientação artística e pedagógica do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra.

O corpo subtil (1980-81) apresenta-se, na Galeria Quadrum, como um momento de viragem, apontando para a presença crescente do pensamento oriental nas suas obras. A peça assenta em 84 aforismos que percorre os doze "caminhos" que sistematizam o seu trabalho (terra, vida, espaço, água, corpo, arte, labirinto, árvore, ar, morte, tempo e fogo), traçando um percurso de meditação e revelação que concretiza um lugar de encontro do corpo com o mundo, ou da consciência sensível com a consciência transcendente. Assumindo-se como uma obra-programa, O corpo subtil é, simultaneamente, a finalização de um processo de trabalho que vem de trás e o ponto de partida para um novo conjunto de obras que se despojam dos elementos técnicos que, na década anterior, materializavam as noções de reflexividade e transferência entre a realidade natural e a sua condição imagética. O movimento de recuperação das matérias naturais e da sua transformação em material escultórico, ultrapassando a condição de projecto que assistira às anteriores pesquisas e reposicionando a objectualidade da escultura como mediação ontológica do ser no mundo, torna-se a marca mais evidente do seu trabalho a partir daqui.

Ao longo da década de 80, novas obras em madeira trabalhada (com recursos pontuais ao bronze e à pedra) prosseguem o mesmo carácter evocativo da memória. Percursos na paisagem - memória de um corpo sobre a terra (1983-84), Árvore: mandala de fogo (1989-90), ou Evocações d'água (1991-92) revelam e sugerem os movimentos e as relações de leveza e gravidade dos elementos naturais na superfície da madeira. Esta, e mais amplamente, a árvore, transformam-se no corpo onde se inscreve, imageticamente, os gestos e as sensações que presidem à percepção da realidade. Flor e fruto para Brancusi (1982-84) revela uma renovada concentração no talhe e na incisão (mediados por instrumentos mecânicos) das matérias que procura uma essencialidade elementar e formal de raiz brancusiana. Paralelamente, as Variações sobre um haikai de Bashô (1984-85), tal como os poemas tradicionais japoneses, concentram na sua brevidade substantiva a intensidade de sensações adjectivas, explicitando, no seu trabalho, a integração das polaridades sujeito/mundo no interior das matérias naturais sulcadas, lugar onde fica registado, como uma imagem, o seu próprio potencial medial e conectivo na concretização da noção (fenomenológica, mas também com ressonâncias orientais) de um ser situado no mundo.

A partir dos anos 90, a prática continuada do talhe das matérias naturais e da complexa organização espacial das suas obras (seja entre os vários elementos que as constituem, seja no lugares em que se expõem) cruza-se com a recuperação de instalações que enfatizam a materialidade da árvore (como em Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em si mesma como conceito para ser metáfora, 1992), com a renovação de procedimentos herdeiros dos jogos de inversões e reflexões estabelecidos nas suas séries fotográficas da década de 70, que se transferem agora do plano da imagem bidimensional para a objectualidade de obras como Sobre os ventos (1997-98), Sinais e sabedoria da floresta (2000-01) ou Murmúrios da floresta (2004), reiterando características projectuais de anos anteriores, agora sob o signo de uma reflexão cultural e antropológica sobre os lugares que acolhem as suas obras (prolongando uma prática desde sempre presente na sua escultura pública), com acontece com Os caminhos da água e do corpo sobre a terra (2003).  

A par da escultura, uma actividade intensa em torno do desenho tem vindo a ser tornada visível pelo artista mais recentemente, através de várias exposições, entre elas, a antológica de desenho realizada em 2005 no Espaço Chiado 8, Lisboa, e na Galeria Fernando Santos, Porto. O desenho, não obstante o seu carácter de suporte de reflexão escultórica, tem alcançado, no seu trabalho, plena autonomia, iluminando, ultimamente, o sentido de uma atenção cada vez mais orientada para os ritmos e tempos próprios da natureza, e que tem encontrado no seu jardim particular um palco privilegiado e intimista de prospecção, e de onde resultaram desenhos como Sobre as flores do meu jardim (2000-02) e esculturas como Sobre o meu jardim (1998-99).

Até aos dias de hoje, as exposições continuam a marcar o seu trabalho, nomeadamente as duas antológicas organizadas, em 1991, pelas Fundações Gulbenkian e Serralves e, em 2001, pelo Centro Galego de Arte Contemporánea, em Santiago de Compostela, apresentações que permitiram, respectivamente, uma visão global do seu trabalho a uma nova geração de artistas e críticos portugueses e a consolidação do interesse da crítica e da historiografia espanholas pela obra do escultor. Mais galardões (Prémio Nacional de Artes Plásticas AICA-SEC 1985, Prémio de Artes Plásticas Antena 1 1987-88, Prémio Tabaqueira Arte Pública 2004, e Prémio de Arte Casino da Póvoa 2007) e novas viagens (Marrocos em 1983, Jugoslávia, Bulgária, Turquia e Grécia em 1984, Áustria e Alemanha em 1986, Nova Iorque e EUA, Praga e Budapeste em 1988, Índia, Nepal, China e Japão entre 1993-95, Chile, Peru e Bolívia em 2006) caracterizam também as últimas décadas. No âmbito da arte pública, deve assinalar-se, ainda, a realização de uma primeira obra em Konstanjevica, na Eslovénia, em 1986, a convite do Simpósio Internacional de Escultura Forma Viva, a que se seguiram outras, nomeadamente em Gateshead (Inglaterra, 1995-969), no Parque Metropolitano de Quito (1997-98), em Puyô (Coreia do Sul, 1998), no Vale de Ordino (Andorra, 2002), ou em Huesca (2006) – uma vertente do seu trabalho a que se deve juntar, também, a criação dos Simpósios Internacionais de Escultura de Santo Tirso, desde 1991, com vista à constituição de um Museu Internacional de Escultura Contemporânea ao Ar Livre (com conclusão prevista em 2012), bem como a criação do Parque Internacional de Escultura Contemporânea de Carrazeda de Ansiães (2002-2009).  

Catarina Rosendo 



Bibliografia seleccionada

Escritos de artista
CARNEIRO, Alberto, Das notas para um diário e outros textos. Antologia, Lisboa, Assírio & Alvim, 2007 (recolha, organização e bibliografia: Catarina Rosendo).

Catálogos de exposições
Alberto Carneiro. Dezembro 1968 - Setembro 1976, Porto, Centro de Arte Contemporânea - Museu Nacional Soares dos Reis, 1976 (textos: Fernando Pernes, Ernesto de Sousa, Fernando de Azevedo).
Alberto Carneiro, exposição antológica, Lisboa, Porto, Centro de Arte Moderna – Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação de Serralves, 1991 (textos: José Sommer Ribeiro, Fernando Pernes, Bernardo Pinto de Almeida, Guilhermina da Luz, Flávia Monsaraz). 
Alberto Carneiro. Evocações d'água: trinta e cinco esculturas para uma instalaçãoPorto, Galeria Pedro Oliveira, 1993 (texto: Bernardo Pinto de Almeida).
Alquimias. Dos pensamentos das artes. 1ºs Encontros de Arte, Coimbra, Associação Nacional de Farmácias, 2000 (textos: Javier Maderuelo, José Ernesto de Sousa, João Fernandes, Delfim Sardo, Bernardo Pinto de Almeida, João Lima Pinharanda). 
Alberto Carneiro, Santiago de Compostela, Centro Galego de Arte Contemporánea, 2001 (textos: Raquel Henriques da Silva, João Fernandes, Santiago B. Olmo). 
Alberto Carneiro, Funchal, Lisboa, Museu de Arte Contemporânea - Fortaleza de São Tiago, Porta 33, Assírio & Alvim, 2003 (texto: Alexandre Melo). 
Alberto Carneiro. Desenhos 1962-2004, Porto, Galeria Fernando Santos, 2005 (texto: Manuel António Pina).
Alberto Carneiro. Árboles, Huesca, Centro de Arte y Naturaleza, Fundación Beulas, 2006 (textos: Alberto Ruiz Samaniego, Javier Maderuelo).  

Volumes
ALMEIDA, Bernardo Pinto de, Alberto Carneiro. Lição de coisas, Porto, Póvoa de Varzim, Campo das Letras, Casino da Póvoa, 2007.
CARLOS, Isabel, Alberto Carneiro. A escultura é um pensamento, Lisboa, Editorial Caminho, 2007.
ROSENDO, Catarina, Alberto Carneiro. Os primeiros anos (1963-1975), Lisboa, Instituto de História da Arte/Estudos de Arte Contemporânea/FCSH-UNL, Edições Colibri, 2007. 





10 outubro 2009

Nadir Afonso







Sobre Nadir Afonso

Nadir Afonso Rodrigues nasce em Chaves a 4 de Dezembro de 1920.

Em 1938 ingressa no Curso de Arquitectura na Escola de Belas-Artes do Porto. Até 1946 participa em todas as exposições do Grupo dos Independentes. Ali irá assumir-se como um dos mais notáveis precursores do abstraccionismo na arte portuguesa. Ao mesmo tempo expõe no Secretariado Nacional da Informação em 1944 e 1945, tendo uma das telas exibidas sido então adquirida pelo Museu Nacional de Arte Contemporânea, Lisboa. Durante este período Nadir cruza influências do Surrealismo com uma progressiva abstractização das formas, criando uma singular síntese entre as duas tendências que o individualiza em relação aos seus colegas portuenses.

Em 1946, já em Paris, estuda pintura na École de Beaux-Arts e frequenta o ateliê de Fernand Léger, tendo obtido, por intermédio de Portinari, uma bolsa de estudo pelo Governo francês. Colabora, como arquitecto, nos ateliers de Le Corbusier entre 1946 e 1948 e novamente em 1951. Será um projecto desenvolvido sob a orientação deste que está na base da tese A Arquitectura não é uma Arte, que defende no Porto em 1948.

Em final de 1951 desloca-se para o Brasil, onde trabalhará, nos três anos seguintes, em colaboração com o arquitecto Óscar Niemeyer, principalmente dirigindo o escritório de S. Paulo na elaboração do projecto para as comemorações do IV Centenário daquela cidade.

De novo em Paris, em 1954, Nadir retoma contacto com os artistas orientados nas pesquisas da arte cinética. Expõe ao lado de vultos como Vasarely, Mortensen, Herbin e Bloc, na galeria Denise René (1956 e 1957), assim estabelecendo uma situação de acerto com a arte internacional única entre os artistas portugueses coevos. O interesse pelos fenómenos da óptica e da geometria, que em 1943 registara em alguns estudos, levam-no à criação de Espacillimité (1953/4-63). No âmbito desta série chega a animar mecanicamente um trabalho que apresenta no Salon des Réalités Nouvelles (1958). Patrocinado por Vasarely e Michel Gaüzes publica o seu primeiro trabalho de reflexão estética: La sensibilité plastique (Presses du Temps Présent, Paris, 1958), defendendo uma fenomenologia da geometria perceptiva. No ano seguinte realiza a sua primeira grande antológica na Maison des Beaux-Arts (1959), com referência crítica de José-Augusto França na revista Art d'Aujourd'hui.

Em 1960 regressa a Portugal para realizar várias exposições de pintura, entre as quais se destacam as que tiveram lugar no Secretariado Nacional de Informação (1961), na Escola de Belas-Artes do Porto (1963) e na Cooperativa “Árvore” (1966). Representa Portugal na Bienal de São Paulo (1961).

Intercala estadias entre Portugal e França, ao mesmo tempo que desenvolve e concretiza as suas concepções estéticas sob a forma de um estudo, publicado com o título de Les Mécanismes de la création artistique (Édition Griffon, Neuchâtel, 1970).

Em 1965 abandona definitivamente a arquitectura, consagrando-se inteiramente à pintura. Segue-se um período de pleno reconhecimento crítico e institucional: Prémio Nacional de Pintura (1967), Menção Honrosa - Prémio Soquil (1968) e Prémio Amadeo Souza-Cardoso (1969). À sua obra dedicou uma monografia o crítico de arte Fernando Guedes (Editorial Verbo, Lisboa, 1967). Volta novamente a expor no Secretariado Nacional da Informação (1968) e na Bienal de São Paulo (1969). Foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris entre 1968 e 1970. Esta instituição dedica-lhe uma retrospectiva que será apresentada em 1970 no Centre Culturel Portugais em Paris e posteriormente em Lisboa. No mesmo ano apresenta uma individual no Centro de Culture TPN, Neuchâtel, Suiça.

Em 1974 expõe na Selected Artists Galleries (Nova Iorque), onde publica Aesthetic Synthesis (ed. Galeria Alvarez com colaboração Selected Artists Galleries), e em 1976 e 1978 na Galeria Art-Service (Paris). No ano seguinte, é realizada novamente uma mostra no Centre Culturel Portugais, em Paris. 

Entre 1961 e 1983 realiza 23 exposições individuais em Portugal, com destaque para as da Galeria S. Mamede (1979 e 1981), Buchholz (1971), Alvarez (1972), Quadrum (1975 e 1980) e Cooperativa Árvore (1983). Em 1979, Fernando Pernes dedica-lhe um importante ensaio publicado na Colóquio / Artes (nº. 41), momento em que Nadir é capa daquela reputada revista especializada em arte.

Em 1983 publica Le Sens de l’Art (Imprensa Nacional, Lisboa). No ano seguinte é condecorado Oficial da Ordem Militar “Santiago de Espada”. Segue-se uma série de exposições individuais realizadas no estrangeiro: em 1985 J. M. Gómez Segade comissaria uma grande retrospectiva em La Madraza, Granada. Depois de apresentar a sua pintura na Embaixada Portuguesa em Brasília (1986), Nadir volta ainda a expôr por três vezes na Galeria Art-Service, Paris (1987, 1991 e 1995).

O olhar antológico e retrospectivo intensifica-se. Neste âmbito destaca-se a exposição retrospectiva que Rui Mário Gonçalves comissaria sobre a sua obra, em 1993, no Museu da Região Flaviense, Chaves. Em 2001, uma grande retrospectiva é-lhe também dedicada no Centro Cultural de Cascais. E mais recentemente, em 2003, foi o artista homenageado na XII Bienal Internacional de Vila Nova de Cerveira, onde apresenta uma exposição antológica. Em inícios de 2009, para comemorar os 70 anos de carreira do artista, a Assembleia da República, em parceria com a Fundação Nadir Afonso, apresenta uma antológica subordinada à temática das Cidades (com curadoria de Bruno Marques e Ivo André Braz).

Nos últimos anos, a par de uma intensa actividade pictórica, Nadir revela-se igualmente prolixo na produção de livros sobre arte e pensamento, tendo um dos volumes da sua autoria - Sobre a Vida e a Obra de Van Gogh (Chaves Ferreira Publicações, 2002) - sido escolhido para melhor livro de Arte da Feira de Frankfurt em 2003, e no mesmo ano seleccionado para figurar no Museu do Livro em Leipzig.

Bruno Marques



Bibliografia activa (volumes)

- La Sensibilité Plastique. - Paris: Presses du Temps Présent, 1958.
- Les Mécanismes de la Création Artistique. - Neuchâtel: Editions du Griffon, (publicado em edição francesa, inglesa e alemã), 1970.
- Aesthetic Synthesis, Edições Alvarez e Selected Artists Galleries, Nova Iorque, 1974.
- Le Sens de L’Art. - Lisboa: Imprensa Nacional 1983.
- Da Vida à Obra de Nadir Afonso. - Lisboa: Bertrand Editora, 1990
- O Sentido da Arte. - Lisboa: Livros Horizonte, (ed. original francesa 1983, ed. alterada 1999).
- Universo e o Pensamento. - Lisboa : Livros Horizonte, 2000
- Sobre a Vida e a Obra de Van Gogh - Lisboa: Chaves Ferreira Publicações e Fundação Nadir Afonso  2002.
- Da Intuição Artística ao Raciocínio Estético. - Lisboa: Chaves Ferreira Publicações, 2003.
- As Artes - Erradas Crenças e Falsas Críticas / The arts : erroneous beliefs and false criticisms (trad. Alexandra Andresen Leitão) - Lisboa: Chaves Ferreira Publicações e Fundação Nadir Afonso, 2005 (ed. belingue: português e inglês).
- Nadir Face a Face com Einstein/ Nadir Face to Face with Einstein (trad. Alexandra Andresen Leitão) - Lisboa: Chaves Ferreira Publicações e Fundação Nadir Afonso, 2008 (ed. bilingue: português e inglês).


Bibliografia passiva seleccionada

- SEGADE, Juan Gomez, "Nadir Afonso: de arquitecto a pintor ", in Nadir Afonso. O Fascínio das Cidades. - Cascais: Câmara Municipal de Cascais, 2003, pp. 7-23.
- BRAZ, Ivo André e MARQUES, Bruno, "As Cidades (In)visíveis de Nadir Afonso", in Nadir Afonso: as cidades no homem. (org. Fundação Nadir Afonso; curadoria de Bruno Marques e Ivo André Braz). – Lisboa: Assembleia da República, 2009, pp. 8-30. 
- FRANÇA, José-Augusto, A Arte e a Sociedade Portuguesa no Século XX, - Lisboa: Livros Horizonte, 1991 (1. edição 1970;  2.º ed. aumentada 1991), p. 56.
- GONÇALVES, Rui Mário, 100 Pintores Portugueses do Século XX. – Lisboa: Publicações Alfa, 1986, pp. 104-107.
- GUEDES, Fernando, Nadir Afonso. - Lisboa: Verbo, 1967.
- LAPA, Pedro, “A Arte Cinética em Portugal” , in Revolução Cinética (cat. exp.). – Lisboa: Museu do Chiado, 2008, pp. 48-50
- PERNES, Fernando,  "Nadir Afonso", in Colóquio / Artes. - Lisboa, n.º 41 (Junho 1979), pp. 5-13.
- PINHARANDA, João, Percursos do Abtraccionismo: Fernando Lanhas, Nadir Afonso, Joaquim Rodrigo. - Lisboa, (Dissertação de Mestrado). - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 1985 (exemplar dactilografado).